quinta-feira, outubro 16, 2008

É você e ponto: sobre a delícia e a dor de viajar sozinha


Tiro uma foto em frente à Casa Branca e penso que o meu pai não está ali. Pena. Ele adoraria observar o esquema de segurança, comentaria a arma do policial, o modelo da viatura.

Passeio pelo Museu da Imprensa, entre pedaços do Muro de Berlim, destroços do World Trade Center, homenagens a repórteres que perderam a vida em nome da notícia, fotos que ganharam o Prêmio Pulitzer. Lembro dos amigos jornalistas, os que se formaram comigo, os que conheci no dia-a-dia da profissão, os que ainda aturam aulas na faculdade. Lembro do Guilherme, ele poderia passar um dia inteiro percorrendo os seis andares do Newseum.

Pego um ônibus pra Nova York. "Brincar" nas lojas, experimentar perfumes e maquiagens, andar-andar-andar e não comprar nada. Minha irmã ia adorar tudo isso. E ela está tão longe.

Decido torrar 20 dólares para subir até o mirante do Empire State Building. É quase 1h da manhã. Eu, meu casaco que não dá conta do frio, mais a câmera fotográfica. Teria muito mais graça ver as luzes da cidade de Nova York abraçada ao namorado. E ele está na outra ponta do continente.

Chego no Central Park e dou de cara com uma Oktoberfest. Canecos, bandinha alemã, cerveja em jarra. Confraternizo com desconhecidos, faço amigos, bebo de graça. Mas onde estará a Tatiana Lemos a uma hora dessas? Cadê a minha amiga que sabe tudo de Alemanha?

Volto para Washington, D.C. Vou até a George Washington University, Georgetown University, sedes do FMI, do Banco Mundial. Mamãe ficaria impressionada com os campi, falaria mal do World Bank e do International Monetary Fund. Ela nunca esteve nos EUA.

Show da Alanis Morrissette, show de jazz, show de reggae. Meu primo Matheus, ex-projeto de músico e atual projeto de jornalista especializado em cultura, ficaria louco.

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A dor de viajar sozinha é que dá vontade de compartilhar as experiências com pessoas queridas e elas estão bem longe. A gente constrói uma rede de afetos desde que nasceu e, no momento em que vive histórias maravilhosas, as pessoas que de fato importam não estão por perto. Não tendo para quem se gabar de imediato, o ego, desprestigiado, sem platéia, murcha. Viajar by yourself é como protagonizar um filme ótimo, de um diretor reconhecidíssimo, ao qual ninguém assistirá. No coletiva de imprensa, no pré-estréia, no DVD na locadora. É você e ponto.

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Mas chega de drama, porque a “delícia” da experiência compensa. Além de atuar, você é o diretor do “filme”. Decide onde ir primeiro, se tira fotos ou não, se muda de idéia e troca o destino. Fica mais tempo neste museu, menos no outro. Come o terceiro hambúrguer do dia sem ninguém te lembrar a existência daquela palavra inútil e burguesa: caloria. E toma uma long neck por dia sem que te chamem de alcoólatra.

Por uma questão de sobrevivência, desenvolve o “lado GPS” do cérebro, coisa que não aconteceria se estivesse acompanhada de alguém mais esperto. O momento mais lindo da viagem, no meu caso, foi quando entendi o mapa da cidade e parei de me perder. Um dia até dei informação a uma americana: “Sim, a 18th Street é para aquele lado”. Me achei. Quando compreendi o funcionamento do metrô, outra emocão. Viajando solito, você descobre o seu ritmo, passa a lidar melhor com as limitações, fica mais ágil para todo o resto.

Outra vantagem: aprende-se a fazer amigos com uma rapidez nunca antes vista. Em quatro semanas na capital norte-americana, conversei com desconhecidos na rua, nos bares, nos museus, nas lojas. Como embaixadora do “brazilian way of life”, dei aulas de samba, ensinei os colegas japas a dizer “Oi” e “Casa Branca”, reforcei o mito do Carnaval: “Sim, é isso mesmo, quatro dias de feriado nacional, todo mundo dançado, todo mundo bebendo”. Eles não sabem nada sobre a gente mesmo... que ao menos fiquem com a imagem de que somos alegres.

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Em resumo, o lance de viajar sozinho sintetiza a idéia do “não se pode ter tudo na vida”. Aí dá pra entender por que a felicidade só é completa na ficção. A vida real apresenta ao viajante dor de garganta em meio a passeios, vontade de chorar na hora em que se coloca a cabeça no travesseiro, a mais profunda solidão em meio a cenários dos mais excitantes. Quem aprende a se divertir sozinho mata a charada e vê que o prazer e a dor podem conviver bem. É assim o tempo inteiro na vida, não é mesmo? Bom, ruim, humano, incompleto. E quando o bicho pega, é você e ponto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dé,
Creio não merecer tamanha lembrança. Ah, quero ver o projeto da matéria da TPM hein? Beijos


Matheus Schuch