quinta-feira, outubro 23, 2008

Porto Alegre é demais

Pego o Orfanatrófio, sentido Centro-bairro, às 17h40min de uma quinta-feira cinzenta. Todos os assentos estão ocupados. Alguns passageiros, em pé, se equilibram.
O cobrador lê Goethe.
(que momento, hein?)

quinta-feira, outubro 16, 2008

É você e ponto: sobre a delícia e a dor de viajar sozinha


Tiro uma foto em frente à Casa Branca e penso que o meu pai não está ali. Pena. Ele adoraria observar o esquema de segurança, comentaria a arma do policial, o modelo da viatura.

Passeio pelo Museu da Imprensa, entre pedaços do Muro de Berlim, destroços do World Trade Center, homenagens a repórteres que perderam a vida em nome da notícia, fotos que ganharam o Prêmio Pulitzer. Lembro dos amigos jornalistas, os que se formaram comigo, os que conheci no dia-a-dia da profissão, os que ainda aturam aulas na faculdade. Lembro do Guilherme, ele poderia passar um dia inteiro percorrendo os seis andares do Newseum.

Pego um ônibus pra Nova York. "Brincar" nas lojas, experimentar perfumes e maquiagens, andar-andar-andar e não comprar nada. Minha irmã ia adorar tudo isso. E ela está tão longe.

Decido torrar 20 dólares para subir até o mirante do Empire State Building. É quase 1h da manhã. Eu, meu casaco que não dá conta do frio, mais a câmera fotográfica. Teria muito mais graça ver as luzes da cidade de Nova York abraçada ao namorado. E ele está na outra ponta do continente.

Chego no Central Park e dou de cara com uma Oktoberfest. Canecos, bandinha alemã, cerveja em jarra. Confraternizo com desconhecidos, faço amigos, bebo de graça. Mas onde estará a Tatiana Lemos a uma hora dessas? Cadê a minha amiga que sabe tudo de Alemanha?

Volto para Washington, D.C. Vou até a George Washington University, Georgetown University, sedes do FMI, do Banco Mundial. Mamãe ficaria impressionada com os campi, falaria mal do World Bank e do International Monetary Fund. Ela nunca esteve nos EUA.

Show da Alanis Morrissette, show de jazz, show de reggae. Meu primo Matheus, ex-projeto de músico e atual projeto de jornalista especializado em cultura, ficaria louco.

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A dor de viajar sozinha é que dá vontade de compartilhar as experiências com pessoas queridas e elas estão bem longe. A gente constrói uma rede de afetos desde que nasceu e, no momento em que vive histórias maravilhosas, as pessoas que de fato importam não estão por perto. Não tendo para quem se gabar de imediato, o ego, desprestigiado, sem platéia, murcha. Viajar by yourself é como protagonizar um filme ótimo, de um diretor reconhecidíssimo, ao qual ninguém assistirá. No coletiva de imprensa, no pré-estréia, no DVD na locadora. É você e ponto.

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Mas chega de drama, porque a “delícia” da experiência compensa. Além de atuar, você é o diretor do “filme”. Decide onde ir primeiro, se tira fotos ou não, se muda de idéia e troca o destino. Fica mais tempo neste museu, menos no outro. Come o terceiro hambúrguer do dia sem ninguém te lembrar a existência daquela palavra inútil e burguesa: caloria. E toma uma long neck por dia sem que te chamem de alcoólatra.

Por uma questão de sobrevivência, desenvolve o “lado GPS” do cérebro, coisa que não aconteceria se estivesse acompanhada de alguém mais esperto. O momento mais lindo da viagem, no meu caso, foi quando entendi o mapa da cidade e parei de me perder. Um dia até dei informação a uma americana: “Sim, a 18th Street é para aquele lado”. Me achei. Quando compreendi o funcionamento do metrô, outra emocão. Viajando solito, você descobre o seu ritmo, passa a lidar melhor com as limitações, fica mais ágil para todo o resto.

Outra vantagem: aprende-se a fazer amigos com uma rapidez nunca antes vista. Em quatro semanas na capital norte-americana, conversei com desconhecidos na rua, nos bares, nos museus, nas lojas. Como embaixadora do “brazilian way of life”, dei aulas de samba, ensinei os colegas japas a dizer “Oi” e “Casa Branca”, reforcei o mito do Carnaval: “Sim, é isso mesmo, quatro dias de feriado nacional, todo mundo dançado, todo mundo bebendo”. Eles não sabem nada sobre a gente mesmo... que ao menos fiquem com a imagem de que somos alegres.

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Em resumo, o lance de viajar sozinho sintetiza a idéia do “não se pode ter tudo na vida”. Aí dá pra entender por que a felicidade só é completa na ficção. A vida real apresenta ao viajante dor de garganta em meio a passeios, vontade de chorar na hora em que se coloca a cabeça no travesseiro, a mais profunda solidão em meio a cenários dos mais excitantes. Quem aprende a se divertir sozinho mata a charada e vê que o prazer e a dor podem conviver bem. É assim o tempo inteiro na vida, não é mesmo? Bom, ruim, humano, incompleto. E quando o bicho pega, é você e ponto.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Eu preciso voltar porque...



*Meu bolso não agüenta mais pagar 5 dólares por uma long neck;
*Cansei de comer com os mendigos no McDonald’s;
*É vital para a minha sobrevivência voltar a comer com garfo e faca de verdade, em prato de verdade (todo dia é essa história de talher de plástico e comida em caixinha de isopor, mesmo nos lugares caros).

Eu preciso voltar porque...
*Esgotei minha capacidade de fazer cinco amigos por dia, todos de países diferentes;
*Ando louca pra atravessar a rua sem burocracia (as pessoas esperam o sinal abrir para o pedestre, sempre! sempre mesmo! mesmo quando não passa carro! que angustia!);
*Pra mim chega de algumas “regras” do tipo: é proibido comer/beber no metrô, é proibido comer/beber no ônibus, é proibido tomar cerveja andando na rua, é proibido, é proibido, é proibido.

Eu preciso voltar porque...
*A grana acabou;
*Cansei de acordar cedo e chegar na aula pontualmente;
*Esqueci completamente que tenho um emprego no Brasil e que ganho em reai$.

Eu preciso voltar porque...
*Não acho bacana ser sempre a que mais bebe e a única que toma cerveja;
*Estou esquecendo o significado das palavras: salto, esmalte, escova, maquiagem, brincos-grandes, roupas-coloridas, colar (a mulherada não pinta a unha, usa chinelo pra ir trabalhar e não põe nem um batonzinho);
*O meu cérebro anda cansado de acordar em inglês, pegar o ônibus em espanhol, depois estudar inglês ao lado de japas, então visitar museus nos quais tudo está escrito em inglês, e chegar em casa, tentar assistir TV, entender apenas 50% e ter raiva das suas limitações.

Eu preciso voltar porque...
*Não gosto de conviver diariamente com o meu lado xenófobo de ser;
*Ando emburrecendo;
*Cansei de explicar que Porto Alegre fica Sul do Brasil e que lá se come carne todo dia e que temos todas as estações e que...
*Ando necessitada de abraços de verdade, música boa, gente que fala alto.

Eu preciso voltar porque, se ficar mais, acabarei igual aos americanos, sem saber o que se passa no mundo, pensando apenas no próprio umbigo, achando normal comer em caixinhas de isopor/plástico diariamente (haja petróleo), respeitando todas as regras. Se eu ficar mais, vou me acostumar com a limpeza das ruas, dos parques, do metrô. Vou me acostumar com a diversidade de restaurantes, de bares, de museus interessantíssimos, de jornais gratuitos, de gente. Vou me acostumar a não precisar pensar em assalto, em acidente de trânsito, em criança sem escola. Vou me acostumar a não lembrar que o mundo é muito mais do que este país. Eu preciso voltar. Ainda bem que eu posso.