sexta-feira, maio 18, 2007

Sem cabimento, mas faz rir

Em enterros familiares, mesmo depois dos 20 anos, a gente encontra tias que apertam as nossas bochechas e dizem coisas do tipo: “Ai, esse teu olho lindo que eu adoro! Meu filho, tem que tirar uma foto dela pra colocar em alguma revista!”. Coitado do primo-fotógrafo. Só restava rir. Então foi isso o que ele fez. E eu também. Daí pensei: “Alôôu, mas que revista?!”.

quarta-feira, maio 16, 2007

A filosofia e o banho

Enquanto sentia a água quente, muito quente, levar pelo ralo as energias agregadas ao corpo após um dia inteiro fora de casa, exercitava preocupações pequeno-burguesas por meio de pensamentos difusos e sem propósito: vontade de quase-nada, vontade de quase-tudo, vontade de muito-pouco, vontade de bem-mais-do-que-isso, vontade de movimento.
Mas uma pessoa normal (se é que esse conceito existe) não passa 17 minutos de banho pensando só nisso. Na seqüência, vieram os seguintes flashes de pensamento (não necessariamente nesta ordem): atenienses, pós-modernidade, espartanos, quarta-feira de ofertas no Zaffari, positivismo, Toddy (comprar urgente!), Morin, erva para o chimarrão (aquela que já vem com chás), dicionário de francês, mercado de trabalho, essência do ser humano, cortar o cabelo amanhã (sem falta!), pré-socráticos, moral cristã.
Ao fim de tudo, afogada em reflexões inúteis e de banho tomado, lembrei do mais importante: esqueci de pegar a toalha!

quarta-feira, maio 09, 2007

Sinônimos da palavra cuidado

Três frases que a minha geração cresceu ouvindo e que possivelmente estarão em extinção no futuro e que me fazem pensar no valor incalculável do amor de mãe:

“Vai com Deus”
“Te agasalha”
“É pouco cobertor”.

domingo, maio 06, 2007

Ana em movimento

O sorriso de Ana não era mais o mesmo e ainda assim ele queria estar ali. Desejava ficar perto dela com a mesma intensidade do dia em que se viram pela primeira vez, num bar em que ela costumava beber com as amigas. Quando o homem magrelo se aproximou com um pequeno papel, ela imaginou a continuação da cena: uma cantada clichê e o número do celular dele. Mas não foi nada disso.
– Oi, tudo bem? Eu sou a “ficha 2”!
Pronto, homem que sabe fazer rir ganha pontos. E foi assim que ele conquistou lugar na mesa das quatro (o que havia sido negado minutos atrás a um quarentão que resolveu importunar as moças) e conquistou também lugar na cama de Ana por três anos.
O que o impulsionou a levantar e tentar a sorte foi o sorriso de Ana. Entre um gole de cerveja e outro, ela ria como se não conhecesse as desgraças do mundo. Tratava-se de uma pessoa completamente entregue a um momento simples, leve e feliz. Ele sentiu necessidade de estar perto daquela felicidade, daquela leveza. Então veio a idéia da ficha, muito bem-sucedida, por sinal, e Ana não dormiu sozinha naquela noite.
Três anos depois, naquele mesmo bar, ela tentava explicar que precisava urgentemente voltar a rir com vontade, como uma alienada! Ele entendia, mas não admitia. Antes, queria o sorriso de Ana. Agora, precisava dela. E o que mais dificultava a felicidade daquela mulher de vinte e poucos anos era saber que ele queria compartilhar o que quer que fosse, talvez até a infelicidade. Pra ela, a vida era outra coisa. Nada de estar junto na alegria e na tristeza, dividir a depressão. Preferia sofrer solteira, até porque as chances de o sofrimento acabar mais rápido seriam bem maiores.
Ana tinha uma necessidade profunda de deixar o sorriso voltar à face, mas a decisão era difícil.
Ainda assim, sabia que tinha ficado com a fatia menor do sofrimento, e que em pouco tempo estaria apresentando outro homem ao seu travesseiro.

quinta-feira, maio 03, 2007

Eu não pensava...

que, aos 22 anos, fosse possível:
- se perder da mãe no centro de Porto Alegre
- ter medo do mar
- querer colo
- saber de cor a letra de “Lua de Cristal”
- sentir choques no estômago ao dar de cara com situações docemente inesperadas
- gostar de Legião Urbana
- ter a idêntica compulsão avassaladora por negrinho e branquinho que se tinha aos oito anos
- matar aula com peso na consciência
- encher os olhos de brilho ao ver algodão doce e maçã do amor
- ouvir 154 vezes a mesma música
- morrer de vergonha
- pensar que tudo ainda está só no começo.